"Nasci na Argentina; não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino, se não se ofenderem os ilustríssimos latino-americanos, me sinto tão patriota da América-Latina, de qualquer país da América-Latina, como qualquer outro e, no momento em que fosse necessário, estaria disposto a entregar minha vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada, sem explorar ninguém"
Ernesto Che Guevara
Foi em Santa Clara que o homem e a lenda convergiram para o mesmo ponto. Lá repousam fragmentos do lado mais puramente humano de Che Guevara: seus restos mortais.
É um peso imenso parar diante de seu sepulcro. Estar ali é poder consumir um pouco da vida de alguém que morreu pela nossa América.
No mausoléu arde uma chama eterna, da imortalidade, que aquece o mundo com a energia de Che, tão necessária para todos nós.
Ali descansam, também, muitos de seus companheiros de guerrilha da campanha na Bolívia, onde Che foi capturado e morto.
Quase no limite setentrional da América Latina, há uma enorme estátua de Che com um braço enfaixado e outro carregando um fuzil. Ele caminha em direção à América do Sul. "¡Hasta la victoria siempre!"
Che é gente como a gente. O mausoléu expõe objetos pessoais do guerrilheiro heroico, que incluem seus boletins escolares, documentos de identificação, jaleco e outros aparatos de seus tempos como estudante de medicina, porta-tabaco, pistolas que portou. O melhor de tudo, contudo, são os manuscritos de seus diários.
"Ao povo de Santa Clara": não muito longe do mausoléu, está o trem blindado que Che descarrilhou em uma das mais importantes batalhas da Revolução Cubana. O trem levava um grande contingente do exército de Batista para defender Havana da revolução.
Em Havana, o antigo palácio de Batista está repleto de marcas de tiro nas paredes. No lado externo está exposto o navio Granma, que trouxe Fidel e seu exército revolucionário do México para Cuba.
No palácio, hoje museu, há uma sala destinada à memória de Che Guevara e Camilo Cienfuegos, cuja barba é de causar inveja. Seus fuzis e chapéus (inclusive a boina de Che com uma estrela) estão ali.
Camilo desapareceu em uma viagem de avião, sob circunstâncias misteriosas. O avião teria sumido no mar e, assim como seu corpo, nunca fora encontrado. Procurei muito, mas não achei nenhuma camiseta com a estampa de seu semblante. Livros biográficos, tampouco.
Com o próprio punho, Che redigiu uma carta à Fidel afirmando sua intenção em continuar a revolução pelo mundo. Pedia licença das suas tarefas no governo revolucionário cubano para prosseguir sua luta no Congo.
Ainda em Havana, em La Cabana é reconstruído o local de trabalho de Che. Lá estão a urna que trouxe seus restos mortais para Cuba e mechas de seu cabelo!
Che, Camilo e José Martí, o primeiro Libertador de Cuba, compõem a tríade da Praça da Revolução de Havana. Lá que costumavam ocorrer os inflamados discursos de Fidel e as principais mobilizações políticas cubanas.
Com efeito, seguir os passos de Che é seguir com a luta bolivariana por uma América Latina livre e unida.
Em suas viagens de motocicleta, Che percebeu que as fronteiras da América (ao menos a espanhola) são ilusórias. Em seu famoso discurso no leprosário de San Pablo, Peru, afirmou-se como seguidor do pan-americanismo.
Um ponto chave em sua viagem foi a passagem por Machu Picchu, a mais pura manifestação da grandiosidade das civilizações pré-colombianas em sua visão.
De fato, Machu Picchu, assim como as ruínas incas e aztecas estão entre as construções humanas mais incríveis que já vi.
Na Colômbia, vi lamentações sobre a Grã-Colômbia ter virado Nova Granada, Confederação Granadina e, hoje, serem quatro países distintos: Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá. Brincaram, ainda, que, se quiserem, dividirão mais ainda a região.
Aprendi que o Haiti foi a Cuba do período colonial. Antes havia medo de revoluções escravas. Depois, das comunistas.
Haiti sofreu embargos de todas as potências coloniais. Hoje é o país mais miserável das Américas.
Simon Bolívar, após o primeiro fracasso na luta pela libertação da América, refugiou-se no Haiti, onde recebeu armamentos e apoio financeiro. A contrapartida era que abolisse a escravidão por onde sua luta triunfasse.
Ainda na Colômbia, vi um quadro interativo da composição étnica do país. A mesma de todos os outros países latino-americanos por que passei.
Colômbia e Cuba são bem mais brancas do que pensei. Diferentemente dos países andinos, o acesso a partir da Europa, no período colonial, era muito mais fácil.
Cartagena, por sua vez, é uma das cidades mais africanas da América.
Peru e Bolívia preservam melhor tradições indígenas em maior escala por que a povoação europeia estagnou quando as reservas de ouro e prata se esgotaram, por volta do século XVIII.
No Brasil há disso tudo, um pouco. Mas é difícil encontrar.
Na Cidade do México, La Paz e Bogotá é fácil identificar feições indígenas. Em Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, não.
Em Bogotá havia ainda seguidores de religiões africanas utilizando turbantes e demais vestimentas exóticas ao meu olhar. Não me lembro disso já ter me chamado a atenção no Brasil.
De volta ao Che, o melhor que aproveitei de sua sabedoria foi fazer das minhas jornadas pela América uma forma de aprendizagem, conscientização social e autoconhecimento.
"Se não se ofenderem os ilustríssimos latino-americanos, me sinto tão patriota da América Latina, de qualquer país da América-Latina, como de qualquer outro." Che vive.