sábado, 2 de julho de 2016

Habitat natural

Estimada onça,

     esses dias fui pego me lembrando da mistura entre medo e fascínio que ditou o ritmo de nosso primeiro encontro em seu habitat natural. Resolvi então escrever-lhe esta carta.

Se eu estivesse um pouco mais distraído, com certeza não teria te visto. Você estava descansando após uma caçada, em um pedaço de sombra sobre um pedaço de terra não alagada do Pantanal norte. Parecia tímida, não quis aparecer logo de cara. 

Talvez você, como anfitriã, deveria ter recebido melhor uma visita tão dedicada em ir ao seu encontro quanto eu. Foram cerca de 2000 km de estrada desde o Rio de Janeiro, incluindo os 180 km da selvagem transpantaneira. Passei por uma boiada com centenas e centenas de bovídeos, perdi a hora e me vi quase às cegas quando anoiteceu na estrada. No dia seguinte, foram exaustivas nove horas dentro de um bote a sua busca.

Outros animais que me perdoem, mas eu queria ver você. E sabia que você não iria me decepcionar. Quando saiu da sua confortável sombra, detrás dos arbustos, proporcionou, por poucos segundos, um dos momentos mais mágicos da minha vida. A frequência de meus batimentos cardíacos disparou e minhas mãos tremiam. Eu segurava uma câmera e estava empenhado em registrar imagens do nosso encontro. Dei-me conta, porém, que não valia a pena te ver apenas pela lente da minha câmera. Precisava me certificar que você estava realmente a poucos metros de mim.

Pelo Pantanal, todos têm histórias para contar sobre seus grandes feitos. Todos te temem, e pessoalmente você se mostrou muito mais assustadora do que eu supunha. Olhar-te ali, tão livre e exuberante, paralisou-me. Foi uma sensação rara, que poucas vezes experimentarei novamente. Ao mesmo tempo que meu sangue gelava, eu queria poder chegar ainda mais perto de você para admirar a tamanha beleza da vida selvagem em seu habitat natural.

Apresento os meus melhores cumprimentos.

PS: segue um registro desse encontro, sem um bom foco ou enquadramento. Devido às circunstâncias descritas acima, foi verdadeiramente difícil tirar uma boa foto.