A grande aventura humana
De pessoas que lutaram
Contra a dor que aqui emana
Nos pedaços mais remotos
Dessa terra americana.
Escrevo agora em versos
O que antes era prosa
De histórias já narradas
Por palavras mais formosas
Romance, filme, novela
Até história milagrosa.
O que aqui eu vou contar
É toda minha vivência
Das areias de Aracaju
À origem da sapiência
No interior do Piauí
Eis a minha confidência.
Não é só experiência
Também é literatura
Tenho base em documentos
E escrevo com ternura
Meu relato assim começa
Com essa grande abertura.
*
Na capital sergipana
Um pouco de tudo eu vi
A orla cheia de folclores
Que cidade descobri
Caranguejo virou prato
Minha boca enrijeci.
Desejei ser sertanejo
Quando cheguei ao mercado
Chapéu de palha na mão
E o estilingue pendurado
Como o rapaz que sonhou
Estar na obra de Lobato.
Viver na realidade
O que via na ficção
Uma vida de aventuras
Onde além do sertão?
Aqui seca e miséria
Viram fé e redenção.
Falei com um cordelista
Daquele lá da raiz
Sem nem me conhecer
Me tornei seu aprendiz
Ele disse pra mim sorrindo:
- O sertão é meu país!
Tem nome de jogador
Sobrenome de burguês
Ronaldo Dória é o nome
Do poeta com fluidez
Cordelista conhecido
Que me fez o seu freguês.
Eu queria levar dois
Mas era muita opção
Tinha Lula e Marielle,
Maria Bonita e Lampião
Velho Chico e as maravilhas
São as coisas do sertão.
Aprendi que no Nordeste
O saber é popular
A linguagem do cordel
O povo quer escutar
Onde há muito analfabeto
As letras fazem brilhar.
Muitos aqui me disseram
Que a vida melhorou
Filho de analfabeto
Já consegue ser doutô
Na terra que tem vaqueiros
Também tem é professor.
*
Dirigi o meu carrinho
Para dentro dessa terra
As estradas bem cuidadas
Todas quase em linha reta
Indo sempre a Oeste
Vendo o Sol atrás da serra.
Semiárido não é árido
Muito verde há no Nordeste
Quem acha que é tudo morto
Não é gente que se preste
Além do sertão existe
Zona da Mata e Agreste.
Ali corre um rio enorme
Entre lenda e misticismo,
Guerras e revoluções,
Bandidagem e heroísmo,
Das Gerais até o Nordeste
É o tal belo São Francisco.
Na terra que tem vaqueiros
Também tem é professor.
*
Dirigi o meu carrinho
Para dentro dessa terra
As estradas bem cuidadas
Todas quase em linha reta
Indo sempre a Oeste
Vendo o Sol atrás da serra.
Semiárido não é árido
Muito verde há no Nordeste
Quem acha que é tudo morto
Não é gente que se preste
Além do sertão existe
Zona da Mata e Agreste.
Ali corre um rio enorme
Entre lenda e misticismo,
Guerras e revoluções,
Bandidagem e heroísmo,
Das Gerais até o Nordeste
É o tal belo São Francisco.
Água que corre entre pedras
O Xingó me deu um verso
Minha alma foi lavada
Com meu corpo submerso
No pedaço mais fantástico
Do rio com que converso.
Logo pertinho dali
Na cidade de Piranhas
Tinha a grota de Angico
Que marcou o fim das façanhas
Do bando de Lampião,
Foi a última das campanhas.
O cangaço atacava
A volante perseguia
Nas margens do São Francisco
Para ambos uma relíquia
Aliviavam a tensão
Era a grande estrela-guia.
No sertão todos perguntam:
É herói ou é bandido?
Se o cangaço era ruim
O Estado estava perdido
Como deixa o próprio povo
Na miséria reprendido?
Morte vida severina
Assim é a via sertaneja
Sem como se defender
E vencidos na peleja
O bando foi degolado,
As cabeças na bandeja.
*
Seguindo pelo sertão
Já somava três estados
Paulo Afonso, Jeremoabo
Canudos era logo ao lado
Tudo dentro da Bahia
Meu coração fora flechado.
Caiu do céu em Bendegó
Uma pedra incandescente
Trazendo a profecia
Do homem benevolente
Que os pobres libertaria
Nessa terra contundente.
Só na Bahia podia
Ter um santo guerrilheiro
Beato da rebeldia
Falo de um tal Conselheiro
Sua história vou contar
Pois quis ser seu companheiro.
O sertão era esquecido
Pelo estado nacional
A própria Igreja Católica
Não era nada cordial
Uma grande seca houve
O jeito era ir pro arraial.
Lá o pobre sertanejo
Tinha cuidado e trabalho
Praticava sua fé,
Era um perfeito agasalho
Recebido em Canudos,
Ostentava um relicário.
A fama do Conselheiro
A muitos incomodou
Foi tachado de Anti-Cristo,
Monarquista, impostor
As tropas foram chamadas
Pra acabar com o detrator.
Um grande crime ocorreu
Numa briga de irmãos
O pobre da capital
Matou o pobre do Sertão
Quem descende do conflito
Da favela é população.
No parque lá de Canudos
É o cenário da batalha
Sobre a qual contou Euclides
Como um filme na pantalha
Onde residem os corpos
Descansando sem mortalha.
Hoje todo o mundo sabe
O sertanejo é um forte
Foram três expedições
Que fracassaram sem sorte
A quarta foi um massacre,
Lutaram até a morte.
*
Nessa terra de encanto
A beleza está no ar
Fui atrás do Conselheiro
Mas foi só me descuidar
Que me peguei observando
A Arara-azul-de-lear.
Conheci o Seu Lourinho
Que decifra a natureza
E apresenta ao viajante
Mostrando toda a riqueza,
As veredas e caminhos
Sempre com muita destreza.
Dono de um olho afiado
Conhece a espécie mais rara
Uma bela arara azul
Distinta das outras araras
Só existe em Canudos
Meu mundo ficou odara.
*
Se tem adversidade
Meu carrinho fraquejou
Foi em Caldeirão da Serra
Que o pneu traseiro estourou
Seu Abel foi o mecânico
Que sua graça ofertou.
Lembro bem de cada nome
Gosto de lembrar dos rostos
Deixo amigos no caminho
Todos de muito bom gosto
Nordestino é gente boa
Como de antemão suposto.
Em Petrolina eu olhava
Para a irmã Juazeiro
Qual das duas é mais linda?
Igual o Gonzaga sanfoneiro
A pergunta que eu fazia
Sem responder por inteiro.
*
Agora preste atenção
Não é fácil acreditar
Há cem mil anos atrás
Um oceano a cruzar
Muito antes do Cabral
O Brasil ia começar.
Foi em tim-tim por tim-tim
Que cheguei a São Raimundo
Berço de um passado antigo
Revelado para o mundo
Ali nós percebemos:
A vida passa num segundo.
No Piauí brotou o homem
O primeiro americano
Que descobriu os sertões,
A floresta desbravando
Entrou na mata fechada
Pra virar homem humano.
Primeiro surgiu a pedra
E nela surgiu a arte
Que o humano já fazia
Pra não morrer da verdade
Ninguém quer ser esquecido
Todos buscam a eternidade.
Sim o mar virou sertão
Caatinga foi oceano
Deixou sal e grãos de areia
Em estado soberano
Que narram a bela história
Do antigo homem profano.
Esses seres ensinaram
Como viver na Caatinga
Ao estranho europeu
Que veio de terra gringa
Assim nasceu o sertanejo
No agito dessa ginga.
Nas entranhas desse solo
Há um legado exuberante
Um museu que conta a vida
Do início ao fim abrange
Obra de Niède Guidon,
Pesquisadora andante.
No coração do Piauí
Nossa cultura resiste
O conhecimento nasce
Até mesmo em terra triste
Ao ler minha aventura
Grandes feitos descobriste.
*
Agora queria pular
Melhor manter em segredo
Dirigindo na estrada
Minha mão tremeu de medo
Preferia nem contar
Mas vou seguir o meu enredo
Achei que seria rendido
Quando vi aqueles vaqueiros
As roupas todas de couro
Pareciam cangaceiros
Minha mão fez um aceno
Que bom, eram cavalheiros.
Nessa mesma estradinha
A única de chão batido
Vi surgirem carnaúbas
Deixaram o sertão retido
Era quase Amazônia
Num contraste tão florido.
*
Eu segui os peregrinos
No trajeto do padrinho
Terminei em Juazeiro
Juazeiro do santinho
Bem no sul do Ceará
O mais sagrado caminho.
Uma puta cidadona
Surgiu ali na região
Tudo por causa de Cícero,
Padroeiro do Sertão
Homem santo poderoso
Temido até por Lampião.
Nos becos, ruas e praças
Os fiéis disputam espaço
Para ver os artefatos
É um grande estardalhaço
O caminho do Padim
Mesmo eu também refaço.
O problema é a ambição
Muitos botaram defeito
Amigo de coronel,
Foi deputado e prefeito
Deu ruim lá no Vaticano
Assim deixei Juazeiro.
*
Se você leitor duvida
Do que leu nesse cordel
Sinto muito caro amigo
Eu retiro meu chapéu
Tenho provas bem verídicas
Não façamos escarcéu.
Se você quer uma dica
Essa agora é cortesia
Vá embora pro sertão
Pode ser em romaria
Pois foi assim que atingi
As alturas da poesia.
***

O Xingó me deu um verso
Minha alma foi lavada
Com meu corpo submerso
No pedaço mais fantástico
Do rio com que converso.
Logo pertinho dali
Na cidade de Piranhas
Tinha a grota de Angico
Que marcou o fim das façanhas
Do bando de Lampião,
Foi a última das campanhas.
O cangaço atacava
A volante perseguia
Nas margens do São Francisco
Para ambos uma relíquia
Aliviavam a tensão
Era a grande estrela-guia.
No sertão todos perguntam:
É herói ou é bandido?
Se o cangaço era ruim
O Estado estava perdido
Como deixa o próprio povo
Na miséria reprendido?
Morte vida severina
Assim é a via sertaneja
Sem como se defender
E vencidos na peleja
O bando foi degolado,
As cabeças na bandeja.
*
Seguindo pelo sertão
Já somava três estados
Paulo Afonso, Jeremoabo
Canudos era logo ao lado
Tudo dentro da Bahia
Meu coração fora flechado.
Caiu do céu em Bendegó
Uma pedra incandescente
Trazendo a profecia
Do homem benevolente
Que os pobres libertaria
Nessa terra contundente.
Só na Bahia podia
Ter um santo guerrilheiro
Beato da rebeldia
Falo de um tal Conselheiro
Sua história vou contar
Pois quis ser seu companheiro.
O sertão era esquecido
Pelo estado nacional
A própria Igreja Católica
Não era nada cordial
Uma grande seca houve
O jeito era ir pro arraial.
Lá o pobre sertanejo
Tinha cuidado e trabalho
Praticava sua fé,
Era um perfeito agasalho
Recebido em Canudos,
Ostentava um relicário.
A fama do Conselheiro
A muitos incomodou
Foi tachado de Anti-Cristo,
Monarquista, impostor
As tropas foram chamadas
Pra acabar com o detrator.
Um grande crime ocorreu
Numa briga de irmãos
O pobre da capital
Matou o pobre do Sertão
Quem descende do conflito
Da favela é população.
No parque lá de Canudos
É o cenário da batalha
Sobre a qual contou Euclides
Como um filme na pantalha
Onde residem os corpos
Descansando sem mortalha.
Hoje todo o mundo sabe
O sertanejo é um forte
Foram três expedições
Que fracassaram sem sorte
A quarta foi um massacre,
Lutaram até a morte.
*
Nessa terra de encanto
A beleza está no ar
Fui atrás do Conselheiro
Mas foi só me descuidar
Que me peguei observando
A Arara-azul-de-lear.
Conheci o Seu Lourinho
Que decifra a natureza
E apresenta ao viajante
Mostrando toda a riqueza,
As veredas e caminhos
Sempre com muita destreza.
Dono de um olho afiado
Conhece a espécie mais rara
Uma bela arara azul
Distinta das outras araras
Só existe em Canudos
Meu mundo ficou odara.
*
Se tem adversidade
Meu carrinho fraquejou
Foi em Caldeirão da Serra
Que o pneu traseiro estourou
Seu Abel foi o mecânico
Que sua graça ofertou.
Lembro bem de cada nome
Gosto de lembrar dos rostos
Deixo amigos no caminho
Todos de muito bom gosto
Nordestino é gente boa
Como de antemão suposto.
Em Petrolina eu olhava
Para a irmã Juazeiro
Qual das duas é mais linda?
Igual o Gonzaga sanfoneiro
A pergunta que eu fazia
Sem responder por inteiro.
*
Agora preste atenção
Não é fácil acreditar
Há cem mil anos atrás
Um oceano a cruzar
Muito antes do Cabral
O Brasil ia começar.
Foi em tim-tim por tim-tim
Que cheguei a São Raimundo
Berço de um passado antigo
Revelado para o mundo
Ali nós percebemos:
A vida passa num segundo.
No Piauí brotou o homem
O primeiro americano
Que descobriu os sertões,
A floresta desbravando
Entrou na mata fechada
Pra virar homem humano.
Primeiro surgiu a pedra
E nela surgiu a arte
Que o humano já fazia
Pra não morrer da verdade
Ninguém quer ser esquecido
Todos buscam a eternidade.
Sim o mar virou sertão
Caatinga foi oceano
Deixou sal e grãos de areia
Em estado soberano
Que narram a bela história
Do antigo homem profano.
Esses seres ensinaram
Como viver na Caatinga
Ao estranho europeu
Que veio de terra gringa
Assim nasceu o sertanejo
No agito dessa ginga.
Nas entranhas desse solo
Há um legado exuberante
Um museu que conta a vida
Do início ao fim abrange
Obra de Niède Guidon,
Pesquisadora andante.
No coração do Piauí
Nossa cultura resiste
O conhecimento nasce
Até mesmo em terra triste
Ao ler minha aventura
Grandes feitos descobriste.
*
Agora queria pular
Melhor manter em segredo
Dirigindo na estrada
Minha mão tremeu de medo
Preferia nem contar
Mas vou seguir o meu enredo
Achei que seria rendido
Quando vi aqueles vaqueiros
As roupas todas de couro
Pareciam cangaceiros
Minha mão fez um aceno
Que bom, eram cavalheiros.
Nessa mesma estradinha
A única de chão batido
Vi surgirem carnaúbas
Deixaram o sertão retido
Era quase Amazônia
Num contraste tão florido.
*
Eu segui os peregrinos
No trajeto do padrinho
Terminei em Juazeiro
Juazeiro do santinho
Bem no sul do Ceará
O mais sagrado caminho.
Uma puta cidadona
Surgiu ali na região
Tudo por causa de Cícero,
Padroeiro do Sertão
Homem santo poderoso
Temido até por Lampião.
Nos becos, ruas e praças
Os fiéis disputam espaço
Para ver os artefatos
É um grande estardalhaço
O caminho do Padim
Mesmo eu também refaço.
O problema é a ambição
Muitos botaram defeito
Amigo de coronel,
Foi deputado e prefeito
Deu ruim lá no Vaticano
Assim deixei Juazeiro.
*
Se você leitor duvida
Do que leu nesse cordel
Sinto muito caro amigo
Eu retiro meu chapéu
Tenho provas bem verídicas
Não façamos escarcéu.
Se você quer uma dica
Essa agora é cortesia
Vá embora pro sertão
Pode ser em romaria
Pois foi assim que atingi
As alturas da poesia.
***
