Em 1944, o filósofo Jean Paul Sartre dirigiu uma carta a seu amigo J. Paulhan, buscando responder, brevemente, o que seria o Existencialismo.
Em sua carta, Sartre dizia:
"O homem deve criar a sua própria essência; é jogando-se no mundo, lutando, que aos poucos se define... A angústia, longe de oferecer obstáculos à ação, é a própria condição dela... O homem só pode agir se compreender que conta exclusivamente consigo mesmo, que está sozinho e abandonado no mundo, no meio de responsabilidades infinitas, sem auxílio nem socorro, sem outro objetivo além do que der a si próprio, sem outro destino além do que forjar para si mesmo aqui na terra (...) O homem é livre... está condenado a ser livre (...) Estamos sós e sem desculpas, pois não estamos sujeitos ao domínio luminoso dos valores (religiosos ou ideológicos). O homem, lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer".
O poema dramático "Morte e vida severina", de João Cabral de Melo Neto, pode ser interpretado sob o ponto de vista existencial. O enredo é baseado na angústia como condição de ação: Severino, um retirante nordestino, parte em uma jornada de humanização para fugir da seca e da fome que afligem o sertão.
Já no título, o poema se demonstra bastante provocativo: a inversão da ordem lógica - morte antes da vida - simboliza a vontade de Severino em exercer sua liberdade; fugir da morte do sertão, e encontrar a essência da vida no litoral. Além disso, o autor desqualifica a identidade do nome, a ponto de transformá-lo em adjetivo. O neologismo de "morte severina" evidencia, assim, a ausência de existência em Severino.
Havia, em sua terra, muitos Severinos, de modo que o protagonista, representante de tantos migrantes nordestinos, buscou, assim como afirmava Sartre, criar sua própria essência. Para isso, iniciou sua jornada de humanização, fugindo da seca e da impunidade do sertão - símbolo da morte - para a cidade - símbolo da liberdade e da individualização. Desse modo, o sertão oferecia a angústia necessária para condicionar sua ação de fuga. Ao longo de seu caminho, encontra dois coveiros conversando. Sertanejos que vão para a capital morrem na miséria, e os coveiros reclamam de ter que enterrá-los. Severino passa a acreditar que está seguindo a sua própria morte: julga seus atos impotentes e incapazes de mudar um destino já traçado. Ele ainda não se sente propriamente sujeito de sua história, por isso crê que está sendo forjado na Terra. Apesar de toda impotência, ele ainda estava condenado a ser livre: ainda havia a opção de apressar sua saída do mundo. Estava, assim, diante da maior escolha da existência: viver ou não.
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