Essa viagem começou há muito tempo, em sonhos, do desejo de chegar a lugares onde poucos chegam. Também do desejo de chegar aos extremos do meu país e do meu planeta, de conviver com a natureza selvagem, com espécies exóticas e bem selecionadas para habitar ambientes inóspitos. Sonhos em que eu era apenas um andarilho atrás de um mundo perdido, uma terra prometida, localizada um pouco a norte do fim do mundo.
Chegar ao paraíso, contudo, é uma tarefa árdua. A força que nos move é tão pouco os músculos de nossas pernas e o desejo de ir adiante. Devemos ser capazes de suportar nossa própria presença, de compreender o dia pela luz do sol, e a noite pelo ciclo das estrelas. Dormimos por noites seguidas no chão duro, e carregamos tudo o que é preciso sobre nossas costas. Não há muitos espaços para luxos, ao passo que não precisamos de muito para nos sentirmos livres.

O destino foi o Monte Roraima, lugar em que senti ser necessário estar. Segundo a mitologia pemón, o monte era o tronco de uma árvore que fornecia todos os bons frutos. A árvore, porém, era sagrada e ninguém podia tocá-la. Quando o dia amanheceu com a árvore cortada, a natureza revoltou-se e, em seu lugar, surgiu o Monte Roraima, sagrado para todos os índios da região, que o julgam a mãe de todas as águas, protegido pelo espírito de Makunaima. Acreditam que até hoje o monte chora pela violação do passado; quando há trovoadas e tempestades, significa que Makunaima foi contrariado e está a castigar alguma tribo.
Uma das formações geológicas mais antigas do planeta, o monte conta nossa história desde o princípio. Erguido há cerca de 2 bilhões de anos, ele presenciou a formação dos continentes, dos oceanos e da atmosfera. Viu eras glaciais, superaquecimentos, vulcões nascendo e morrendo. Também viu o surgimento do DNA, viu seres vivos migrarem da água para a terra e o primata virar homo sapiens. Conheceu a pedra polida, a pedra lascada, a imprensa de Gutenberg e a máquina a vapor de Watt. Viu a amazônia surgir aos seus pés, e o maior rio do mundo escorrer em seu quintal. Descobriu que vivia na América e que existiam pecados. Viu as sagas de Cristo, Buda, Moisés e Maomé. Viu conquistas, reconquistas e genocídios; viu a América virar católica.
Lá é onde a vida começa. A água que vem do céu e escorre pelas nossas costas é a mesma que enche rios e mares, e a mesma que está disponível, limpa e em abundancia, para todos. Assim como a semente que espera a água da chuva para brotar do solo, aprendemos a viver do que a natureza nos dá. Banhamos-nos em rios, cedemos nosso sangue aos mosquitos, caminhamos com as nossas próprias pernas, olhamos o monte adiante e nos atentamos à presença de serpentes no caminho. Ouvimos o canto dos pássaros e o som do vento. Do mesmo modo como querermos sempre nos manter vivos, tomamos cuidado com todas as formas de vida que surgem em nosso caminho.


O prazeroso desconforto de dormir em um acampamento aguça nossos sentidos. Imaginamos tanta coisa que se torna difícil distinguir os momentos de sono dos momentos de divagação consciente. Difícil mesmo é parar para pensar que estamos em nosso próprio planeta Terra. O topo do Roraima tem uma beleza sem igual; talvez possa ser comparado apenas à superfície de planetas que ainda nem foram descobertos pelos humanos. O terreno é irregular, com diversas subidas e descidas, e a natureza é extraordinária, formando um verdadeiro mundo à parte. O alto índice pluviométrico formou cavernas e crateras. Os nutrientes que faltam ao solo rochoso é compensado pelos insetos na dieta das diversas plantas carnívoras que ali abitam. O monte se dá ao luxo de dispor de um vale de cristais, com diversas formações bipiramidais de quartzo, que esbranquiça e embeleza o cume. A fauna é endêmica, e espécies que vivem ali não vivem mais em lugar nenhum. Anfíbios e aves foram os que melhor se adaptaram a viver sob tão extremas condições. Há quem jure, ainda, já ter visto seres fantásticos, com cabeça de pássaro e corpo de lagarto.
Uma das formações geológicas mais antigas do planeta, o monte conta nossa história desde o princípio. Erguido há cerca de 2 bilhões de anos, ele presenciou a formação dos continentes, dos oceanos e da atmosfera. Viu eras glaciais, superaquecimentos, vulcões nascendo e morrendo. Também viu o surgimento do DNA, viu seres vivos migrarem da água para a terra e o primata virar homo sapiens. Conheceu a pedra polida, a pedra lascada, a imprensa de Gutenberg e a máquina a vapor de Watt. Viu a amazônia surgir aos seus pés, e o maior rio do mundo escorrer em seu quintal. Descobriu que vivia na América e que existiam pecados. Viu as sagas de Cristo, Buda, Moisés e Maomé. Viu conquistas, reconquistas e genocídios; viu a América virar católica.
Lá é onde a vida começa. A água que vem do céu e escorre pelas nossas costas é a mesma que enche rios e mares, e a mesma que está disponível, limpa e em abundancia, para todos. Assim como a semente que espera a água da chuva para brotar do solo, aprendemos a viver do que a natureza nos dá. Banhamos-nos em rios, cedemos nosso sangue aos mosquitos, caminhamos com as nossas próprias pernas, olhamos o monte adiante e nos atentamos à presença de serpentes no caminho. Ouvimos o canto dos pássaros e o som do vento. Do mesmo modo como querermos sempre nos manter vivos, tomamos cuidado com todas as formas de vida que surgem em nosso caminho.
O prazeroso desconforto de dormir em um acampamento aguça nossos sentidos. Imaginamos tanta coisa que se torna difícil distinguir os momentos de sono dos momentos de divagação consciente. Difícil mesmo é parar para pensar que estamos em nosso próprio planeta Terra. O topo do Roraima tem uma beleza sem igual; talvez possa ser comparado apenas à superfície de planetas que ainda nem foram descobertos pelos humanos. O terreno é irregular, com diversas subidas e descidas, e a natureza é extraordinária, formando um verdadeiro mundo à parte. O alto índice pluviométrico formou cavernas e crateras. Os nutrientes que faltam ao solo rochoso é compensado pelos insetos na dieta das diversas plantas carnívoras que ali abitam. O monte se dá ao luxo de dispor de um vale de cristais, com diversas formações bipiramidais de quartzo, que esbranquiça e embeleza o cume. A fauna é endêmica, e espécies que vivem ali não vivem mais em lugar nenhum. Anfíbios e aves foram os que melhor se adaptaram a viver sob tão extremas condições. Há quem jure, ainda, já ter visto seres fantásticos, com cabeça de pássaro e corpo de lagarto.
No páreo dos 2800 m de altitude, em um terreno mais antigo que os Andes e o Himalaia, estamos acima das nuvens e nos sentimos no topo do mundo. Acima de nós, somente o céu. Abaixo, apenas a imensidão das matas intocadas da Gran Sabana. O monte que marca a fronteira tripla entre Brasil, Venezuela e Guiana, na verdade, não tem nação; maior que qualquer sentimento nacional, o monte vive de lendas, folclore e misticismo. Os exotéricos afirmam ser ali um lugar bastante propenso às boas energias. É, como indicam as placas na BR-174, a terra de Makunaíma. Índios Macuxi contam que, no topo do Roraima, nasceu, do encontro do Sol com a Lua, Makunaima. Ele era o único ser que podia tocar na árvore de todos os frutos, dividindo sua colheita igualmente entre todos os seus iguais. Essa farta árvore despertou a ambição e a inveja em alguns corações da tribo, que foram até a árvore colher seus frutos para tentar replantá-la em outras localidades. A árvore morreu e Makunaima ficou furioso, transformado a floresta em pedra. O mesmo Makunaima, herói do povo Macuxi, teria inspirado Mario de Andrade a criar "Macunaíma", nosso herói sem caráter, cujo grande corpo contrasta com a pequena cabeça.
Após seis dias e cinco noites vivendo sob a tutela do Monte Roraima, estava exausto e com o espírito renovado. Podia contar uma bolha na ponta de cada dedo dos meus pés. Já estava habituado a carregar uma mochila de 10 kg, de modo que tinha dificuldades em me equilibrar sem ela. Minha perna doía de cima a baixo, e minhas costas estavam castigadas pelas noites de campanha. No fim da descida, enquanto minha dor física dialogava com minha revigorada saúde espiritual, Roger, o indígena guia de nossa expedição, falava que gostava tanto da civilização - pois podia beber cerveja - quanto do mato - onde podia permanecer em paz . Eu, com pouco fôlego, só pude dizer:
estoy cansado pero feliz