"Todas as pessoas são capazes de alcançar seus objetivos, desde que saibam pensar, esperar e jejuar."
Era uma chuvosa e quieta manhã de domingo em Blumenau. A principal rua do centro histórico da cidade - a XV de novembro - estava fechada para carros e poucos munícipes se aventuravam em uma corrida matinal. Lá estava eu, com fome, andando atrás de algum café aberto onde eu pudesse tomar meu café da manhã. Minha fome, é verdade, não era tanta, mas estava se agravando conforme eu ia percebendo que nenhum estabelecimento por ali abriria domingo. Já havia caminhado por mais de uma hora, indo e vindo, transitando entre as mesmas paisagens, e a pressão psicológica por não saber quando nem onde seria minha próxima refeição começava a me atormentar.
O Sidarta de Hermann Hesse, sempre que perguntado sobre o que sabia fazer respondia: sei pensar, sei esperar, sei jejuar, nada mais. Tais eram as qualidades que norteavam sua existência em sua constante busca pela desindividualização, fuga dos tormentos de seu próprio eu. Por meio da dor, do tormento voluntário, do triunfo sobre o sofrimento, fome, sede e cansaço, buscava se livrar de todos os anseios e instintos de seu corpo, de modo que atingisse os níveis mais altos do conhecimento, em que todas as sensações e dores da realidade material fossem superadas.
Tive, assim, minha iniciação sobre o que é a arte do jejum. Ao passo que a impaciência e a fome afloravam, finalmente encontrei um lugar onde pudesse comer despreocupado. O que se seguiu foi uma refeição farta, com quantidades duplicadas, uma vez que busquei me prevenir contra a fome durante o restante do dia. Ainda que frustado por me perceber inábil em suportar algumas poucas horas sem comer, continuei meu passeio por Blumenau sem saber exatamente aonde queria chegar, desfrutando da quebra de rotina, esperando que algum acontecimento especial viesse até mim.
- Permite-me, porém, uma objeção: tu que não possuis nada, que é que tencionas dar?
- Cada um dá o que tem. O guerreiro dá a sua força; o comerciante, a sua mercadoria; o mestre, a sua doutrina; o pescador, os seus peixes.
- Ótimo. E qual será o bem que tu poderás oferecer? Que aprendeste? Que sabes fazer?
- Sei pensar. Sei esperar. Sei jejuar.
- Só isso?
- Acho que é só isso.
- E que valor têm esses conhecimentos? O jejum, por exemplo. Para que serve o jejum?
- Para muita coisa, meu caro senhor. Para quem não tiver nada que comer, o jejum será a coisa mais inteligente que se possa fazer. Se, por exemplo, Sidarta não houvesse aprendido a suportar o jejum, estaria obrigado a aceitar hoje mesmo um serviço qualquer, seja na tua casa, seja em outro lugar, já que a fome o forçaria a fazê-lo. Assim, porém, Sidarta pode aguardar os acontecimentos com toda calma. Não sabe o que é impaciência. Para ele não existem situações embaraçosas, Sidarta pode aguentar por muito tempo o assédio da fome e ainda rir-se dela. É para isso, meu caro senhor, que serve o jejum.
Pus meu corpo em movimento, buscando corresponder aos anseios da minha mente na busca por novos cenários. Estar em uma cidade desconhecida, pois, exposto a uma nova percepção do espaço, é sempre pretexto para novos pensamentos. Após percorrer museus e estabelecer breves amizades, decidi ir à Pomerode, cidadezinha localizada a 30 km de Blumenau. A alcunha de cidade mais alemã do Brasil, junto a maior coleção de casas enxaimel fora da Alemanha, despertaram meu interesse pelo local.
Corri para pegar um ônibus de Blumenau a Pomerode. Foi quando um inusitado diálogo com o condutor me fez sofrer uma nova perturbação de sentidos. Perguntei o preço da passagem, e ele perguntou aonde eu iria; os valores variavam conforme o destino. Eu disse que ia Pomerode e ele me olhou como que se precisasse de informações mais detalhadas. Após um breve silêncio, disse-me, com um tom impaciente, que eu precisava saber para onde estava indo. Pedi para ele me avisar quando chegasse no centro da cidade, paguei o devido valor da passagem e me acomodei, sozinho, em uma janela do ônibus.
No dia anterior eu não sabia em que cama iria dormir. Na manhã daquele dia não sabia se eu iria conseguir tomar um café da manhã. Agora, acabara de descobrir que eu não sabia para onde estava indo. Tais fatos não podiam ser analisados separadamente. Esse conjunto de acontecimentos era o mundo querendo me passar sua sabedoria. Cresceu em mim um frio na barriga, impulsionado por uma profunda excitação. Queria que essa sensação perdurasse. Para isso, precisava andar mais, ir a lugares mais distantes, rumar sempre em direção ao estranho.
Quando cheguei a Pomerode, munido apenas de meu corpo e uma pequena mochila, dei-me conta que, naquelas circunstâncias, com hora marcada para encerrar minha viagem, não podia percorrer, a pé, os 16 km da rota do enxaimel. Poucas horas depois, retornei a Blumenau para seguir viagem até São Paulo e, então, Santos. Chegar até Pomerode, contudo, foi uma grande realização para mim. Foi poder andar sem destino, lidar com incertezas e frios na barriga, pensar uma coisa por vez, ficar a deriva em um ambiente desconhecido, afastar-me do que é familiar, deixar o mundo me ensinar. É isso que espero de uma viagem.
Por mais chances de não saber para onde estou indo.
No dia anterior eu não sabia em que cama iria dormir. Na manhã daquele dia não sabia se eu iria conseguir tomar um café da manhã. Agora, acabara de descobrir que eu não sabia para onde estava indo. Tais fatos não podiam ser analisados separadamente. Esse conjunto de acontecimentos era o mundo querendo me passar sua sabedoria. Cresceu em mim um frio na barriga, impulsionado por uma profunda excitação. Queria que essa sensação perdurasse. Para isso, precisava andar mais, ir a lugares mais distantes, rumar sempre em direção ao estranho.
Quando cheguei a Pomerode, munido apenas de meu corpo e uma pequena mochila, dei-me conta que, naquelas circunstâncias, com hora marcada para encerrar minha viagem, não podia percorrer, a pé, os 16 km da rota do enxaimel. Poucas horas depois, retornei a Blumenau para seguir viagem até São Paulo e, então, Santos. Chegar até Pomerode, contudo, foi uma grande realização para mim. Foi poder andar sem destino, lidar com incertezas e frios na barriga, pensar uma coisa por vez, ficar a deriva em um ambiente desconhecido, afastar-me do que é familiar, deixar o mundo me ensinar. É isso que espero de uma viagem.
Por mais chances de não saber para onde estou indo.
Sua liberdade me inspira... você é um cara especial.
ResponderExcluirVoa que tem muito mundo esperando por você!
ML.