Em "Vidas Secas", história de Graciliano Ramos, a questão da linguagem é fundamental para a ambientação da narrativa. Ela simboliza uma hierarquia, carrega uma visão de mundo e desqualifica o homem à condição de animal. A história é centrada na figura de Fabiano, patriarca de uma família que sofre com a seca e com a fome no sertão nordestino.
O livro é narrado em terceira pessoa, uma vez que nenhum dos personagens principais se demonstra apto a conduzir a narrativa. Há também a constante presença do discurso indireto livre - aquele que mescla a fala do narrador com a fala do personagem -, o que evidencia o conflito do homem com a língua. A paisagem desumanizadora do serão faz com que Fabiano prefira se relacionar com animais a procurar enfrentar a fala da cidade.
No capítulo "Cadeia", a propósito, Fabiano julgou que caso conseguisse devidamente se expressar poderia não ser preso. Após ser seguidamente insultado por um soldado, o Soldado Amarelo, Fabiano foi instigado a cometer um desacato e terminou preso e maltratado. Nesse sentido, a linguagem funcionou como um meio opressor, em que o Estado, simbolizado pelo Soldado Amarelo, acusava um sujeito que não poderia se defender ou se justificar verbalmente.
"Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito?"Em diversas outras passagens, é evidente a incompetência linguística das personagens:
"Ordinariamente a família falava pouco (...) Raramente soltavam palavras curtas."
"[Fabiano] Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais (...) Montado em um cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia."
Também a presença da cachorra Baleia é um importante contraponto à família no que se refere à linguagem. Nesse caso, a paisagem modela o homem de tal modo, que os limites entre a suposta racionalidade humana e a irracionalidade animal não são bem claros. O papagaio da família, a exemplo, aprendera apenas a latir como Baleia.
Em síntese, a questão da linguagem presente em "Vidas Secas" se relaciona à visão desumanizada que o ambiente inóspito da seca exerce sobre os indivíduos. Fabiano, em diversos momentos ao longo da narrativa, se autodeclara um bicho. Assim, o modo de aproximar a realidade humana da animal foi pelo uso de onomatopeias, frases monossilábicas e sons guturais por parte das personagens.
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