Contra todos os males do sertanejo
Essa história é contada sob dois pontos de vista. De um lado, um alemão se reinventa no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Do outro, um sertanejo busca meios de tentar a vida. A interseção entre esses dois planos de fundo ocorre nos sertões de Pernambuco. Para um, lugar deleitoso de paz, inocência e renovação; para outro, lugar a ser deixado, matriz de desgraça e sofrimento.
Há três meses dirigindo pelas estradas de um Brasil ainda primitivo, o alemão Johann, com sua caminhonete, vende medicamentos dispondo de uma poderosa propaganda: o cinema. De vila em vila, ele exibe curtas cenas do polo de modernização do Brasil na década de 40, o eixo Rio-São Paulo, para uma população que nunca teve a possibilidade de se desprender de sua terra atrasada. Ao fim de cada exibição, a aspirina, remédio para dor de cabeça de patente alemã, prometia acabar com todas as dores do ser-humano.
Nesse contexto, o pernambucano Ranulpho, conhecedor das veredas do sertão, oferece seu serviço ao alemão em troca de carona. Apresenta-se com a ambição de chegar ao Rio de Janeiro.

Enquanto Ranulpho se deslumbra com o cinema, a parafernália e o automóvel de Johann, o alemão fica curioso com uma convocação, na rádio, de voluntários para o trabalho de seringueiro na Amazônia. Faz muitas perguntas ao sertanejo, que desdenha dos "soldados da borracha". Segundo ele, o governo explora os miseráveis do Nordeste para que possa vender borracha para os Estados Unidos usarem na guerra. Ranulpho retruca com novas perguntas sobre o serviço de Johann. Indaga se é necessário ser alemão e ter estudo.
Uma picada de cobra deixa Johann próximo a morte. Ao mesmo tempo, a rádio anuncia o bombardeio de um navio brasileiro por submarinos nazistas. Em seu leito, Johann pede para que Ranulpho conte uma história, que, quando percebe que Johann adormeceu, decide contar a história de sua própria vida, a única que conhecia. Inicia-se o belo monólogo sobre o drama do sertanejo.
Em um decreto do dia 31 de agosto de 1942, o governo brasileiro de Vargas declara guerra à Alemanha e seus aliados. A empresa Aspirina, assim, é interditada e seus dirigentes condenados à prisão, que determinaria a permanência em campos de concentração no interior de São Paulo ou a deportação. Como numa brincadeira de criança, Johann e Ranulpho se tornam adversários de guerra em um campo de batalha imaginário. É nesse momento que a jornada dos dois tomará contornos distintos.
Diante de uma carta de prisão, Johann pinta sua caminhonete e decide ir disfarçado para a Amazônia extrair borracha. Ranulpho, que era a sombra do alemão, recusa o convite de ir junto e decide traçar seu próprio caminho, na capital.
Perante a estrada que se alongava diante de si, seguiu, sorridente, o caminho que ele próprio escolheu. Com a palma de suas mãos empunhando o volante, e com a ponta dos pés acionando o motor de sua caminhonete, estava livre para ir aonde quisesse.

Há três meses dirigindo pelas estradas de um Brasil ainda primitivo, o alemão Johann, com sua caminhonete, vende medicamentos dispondo de uma poderosa propaganda: o cinema. De vila em vila, ele exibe curtas cenas do polo de modernização do Brasil na década de 40, o eixo Rio-São Paulo, para uma população que nunca teve a possibilidade de se desprender de sua terra atrasada. Ao fim de cada exibição, a aspirina, remédio para dor de cabeça de patente alemã, prometia acabar com todas as dores do ser-humano.
Nesse contexto, o pernambucano Ranulpho, conhecedor das veredas do sertão, oferece seu serviço ao alemão em troca de carona. Apresenta-se com a ambição de chegar ao Rio de Janeiro.
-O senhor vem da onde?Um acordo de cavalheiros é firmado e uma amizade começa de modo tímido e com certa desconfiança. Ranulpho permanece inquieto sobre os reais efeitos do remédio. Afirma que naquela terra só se vende o que mata a fome do povo. Na primeira parada de sua jornada, após a primeira exibição do filme que presencia, contudo, fala, encantado, que é como vender Bíblia para Satanás. Ao mesmo tempo em que se entretém com um mapa do gigantesco Brasil, pergunta a Johann se cinema de verdade também é feito no meio da rua com dois pedações de pau.
-Da Alemanha.
-Perguntei de onde o senhor começou essa viagem, de onde o moço vem com esse caminhão, não de onde o moço é.
-Comecei no Rio de Janeiro.
-Eu vou para onde o moço veio, tentar a vida. Cansei desse lugar aqui, desse buraco. O senhor parece cansado.
-São três meses de viagem, e agora esse Brasil parece que não acaba nunca.
-Lugar que não presta é assim, demora pra acabar.

Enquanto Ranulpho se deslumbra com o cinema, a parafernália e o automóvel de Johann, o alemão fica curioso com uma convocação, na rádio, de voluntários para o trabalho de seringueiro na Amazônia. Faz muitas perguntas ao sertanejo, que desdenha dos "soldados da borracha". Segundo ele, o governo explora os miseráveis do Nordeste para que possa vender borracha para os Estados Unidos usarem na guerra. Ranulpho retruca com novas perguntas sobre o serviço de Johann. Indaga se é necessário ser alemão e ter estudo.
-O trabalho é bom?Após algum tempo de viagem, Ranulpho procura afastar de si o carma do sertanejo. Em conversa com Johann, reclama das constantes paradas para carona, ao que responde igualando-o aos pedintes. Não fosse o pedido de carona, afinal, Johann e Ranulpho não teriam se conhecido. Em uma das tantas pausas, conhecem uma moça que saía de casa após ser expulsa pelo pai embriagado. Iria até a próxima cidade pegar um trem para Recife, onde vivia sua irmã. A moça desperta o interesse dos dois rapazes, que entram em conflito pela primeira vez. Após uma exibição do filme e conversas sobre a felicidade ilusória do cinema, o alemão vence a disputa pela moça. Na manhã seguinte, enquanto ela sumia na Caatinga, Johann e seu fiel escudeiro, cabisbaixo, seguiam seus caminhos. Ranulpho via no alemão e em seu maquinário a imagem do que gostaria de ser.
-É, a viagem é a melhor parte.
-Já foi pra onde?
-Quase o Brasil todo.
-É, já vi que o negócio do moço é viajar mesmo. Gosta até de viajar para esse lugar infame.
-E o senhor, viaja muito?
-Viajo só a trabalho. É isso é ponto. O que o senhor acha de tão interessante em um lugar miserável como esse?
-Nunca estive em um lugar assim.
-Aqui é seco e pobre.
-Pelo menos não caem bombas do céu.
Uma picada de cobra deixa Johann próximo a morte. Ao mesmo tempo, a rádio anuncia o bombardeio de um navio brasileiro por submarinos nazistas. Em seu leito, Johann pede para que Ranulpho conte uma história, que, quando percebe que Johann adormeceu, decide contar a história de sua própria vida, a única que conhecia. Inicia-se o belo monólogo sobre o drama do sertanejo.
"Penei mas cheguei lá, na capital. Quando a fome bateu eu voltei. Fiquei com medo de morrer de fome. Pensa que levar uma derrota nas costas é triste? Também, lá é assim, nordestino só serve de mangação. Juntava o povinho todo e ficavam falando: 'fala aí de novo, rapaz', 'mais um paraíba', 'é verdade que você bota a peixeira embaixo das calças que nem cangaceiro?', 'você come calango?'. Aí eu abaixava a cabeça. Agora não, agora vai ser diferente. Agora vou chegar e falar assim: 'como é, rapaz? Grita aí de novo... calango? Como calango como como o cu da sua mãe, filho da puta!' Eu vou pegar a carteira de trabalho assinada com a fábrica da Aspirina e mostrar na cara dele assim. Depois vou mandar uma carta para minha mãe contando do novo funcionário da fábrica. Ela vai abrir e ler para todos os moradores de Bonança ouvir."Na cena seguinte, Ranulpho, sozinho, liga o equipamento de montagem cinematográfica do alemão e usa sua própria mão como anteparo para assistir às imagens do Rio de Janeiro, alvo de sua jornada.
Diante de uma carta de prisão, Johann pinta sua caminhonete e decide ir disfarçado para a Amazônia extrair borracha. Ranulpho, que era a sombra do alemão, recusa o convite de ir junto e decide traçar seu próprio caminho, na capital.
"Que situação desse povo, perdeu tudo e ainda é obrigado a ir para aquele fim de mundo, eu não quero isso para mim não. Vou enfrentar, vou fazer o que você vai fazer lá na Amazônia, vou fazer meu destino.
E por que não pode ser lá?
Porque meu destino é outro."Momentos antes de partir para a Amazônia, todos os novos aspirantes a soldados da borracha se reúnem na estação de trem. Ranulpho, após se autopromover durante toda a jornada como superior a seus semelhantes, fica indignado quanto ao modo como os soldados tratavam os sertanejos. Johann, a propósito, agora se juntara ao grupo dos flagelados, castigados. Ranulpho articula uma manobra para despistar os soldados e embarcar o alemão no trem. Em troca, recebe as chaves da caminhonete. Estava realizado.
Perante a estrada que se alongava diante de si, seguiu, sorridente, o caminho que ele próprio escolheu. Com a palma de suas mãos empunhando o volante, e com a ponta dos pés acionando o motor de sua caminhonete, estava livre para ir aonde quisesse.

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