segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Um momento de desencontro

Que maravilha os aviões. Li, ouvi música, distraí-me e fui parar no outro lado deste admirável mundo. Nas 17 horas mal dormidas de viagem, dividida em dois trechos, tive tempo de analisar com calma cada pensamento que me ocorreu. Em o "Lobo do Mar", romance que escolhi para ilustrar esta jornada, o protagonista, em um barco, discorre sobre o que ele chama de divisão do trabalho. Segundo ele, é em razão dessa divisão que podemos ocupar nossa mente com o que nos for conveniente enquanto estamos em trânsito. Assim, eu, desprovido de qualquer conhecimento de aviação e sem me preocupar com as leis da Física que fazem o avião voar, cruzei o mundo em um, procurando apenas lidar com minhas ideias sob a imagem das nuvens do deserto de ar que estava percorrendo. 

Rumei do ocidente para o oriente e meu primeiro desencontro foi com o Sol. Naquela noite, eu não o esperaria vir até mim. Com meu avião, voava em sincronia com o sentido de rotação da Terra, e nos aproximávamos mais rapidamente. Antes que a luz natural entrasse pelas beiradas da janela de meu quarto, permiti que ela entrasse pela janela do avião, em um caloroso encontro de machucar os olhos. Na harmoniosa monotonia da paz celestial, a simplicidade do Sol de cada dia é incompreensível; ele apareceu, para mim, em uma forma tão complexa, que nossa interação foi impossível.   

O derradeiro desencontro, contudo, foi a discordância entre o desejo de vagar, que me trouxe à estrada em pleno primeiro dia do ano, e a saudade de casa. O que teria me motivado a estar em posição tão indefesa, diante do amedrontador planeta Terra, em uma época do ano de renovações, mas de apego à família e aos velhos amigos? Enxerguei uma pista para essa questão em uma interpretação otimista de uma fala de Lobo Larsen, anti-herói de meu livro de cabeceira: "o que tem sorte prolonga seu movimento por mais tempo - eis tudo. Move-se para que possa comer, e come para manter-se em movimento. Eis tudo. Mantê-lo em vida." Em suma, estamos no mundo para nos movimentar.


Em tempo, descobri uma nova diversão. Com a imaginação exaltada que me impediu o sono, acompanhei por horas o trajeto que o avião fazia. Voltei a minha infância, quando adorava rodar o globo terrestre com meus pequenos dedos, observando a localização de cidades e países. Agora, em tamanho real, eu passava por cidades como Viena, Praga e Budapeste, olhando suas respectivas luzes pela minha janela. Vi o Sol nascer - bem menos agressivo -, cruzei desertos, passei pelo Afeganistão, Paquistão e, então, desembarquei na Índia, meu destino final. Talvez, me divertir com o mapa foi o mais próximo que cheguei de meu encontro pessoal.


Nenhum comentário:

Postar um comentário