terça-feira, 25 de outubro de 2016

Viajero Solitário

I - O caminho

Dizem que o melhor de uma viagem é o caminho, não o destino. Assim me engajei em uma viagem de quase 24h em um ônibus entre Lima e Cusco, no Peru. Durante as primeiras cinco ou seis horas de percurso pude desfrutar de meu primeiro encontro com o Pacífico: entretive-me observando a hostil geografia da costa peruana, com uma imensidão de terras áridas, placas de trânsito que preveniam o condutor contra falhas geológicas, falésias moldadas por um mar cinza como o céu do inverno limenho. 

Conforme me afastava do extenso perímetro urbano de Lima e seguia em direção aos Andes, contudo, o caminho se tornava gradativamente duro e agressivo. Seja por estar há muito tempo confinado em um assento de ônibus, sejam pelas curvas da estrada, seja por estar elevando drasticamente minha altitude em relação ao nível do mar, fui tomado por uma forte dor de cabeça que perturbou minha paz por horas a fio de viagem. Era meu primeiro dia sozinho no Peru. O intervalo de tempo entre minha chegada ao aeroporto de Lima e meu embarque no ônibus para Cusco era muito curto. A combinação entre a náusea e estar só, em meu primeiro dia em um país estrangeiro, conferiu contornos desesperadores à minha viagem. Não tinha aonde ir nem a quem recorrer. A única alternativa era esperar a dor passar.

Se existe algo mágico em viagens é deixar-se ser apoderado pelo espírito de que toda e qualquer adversidade faz parte da aventura. Afinal, aventuras são transformadoras e o triunfo sobre elas, a sensação de concluir o que se propôs a fazer, de superar a vontade de desistir, é inigualável. Quando desembarquei em Cusco, já me sentia bem melhor, ao menos com forças suficientes para chegar ao hostel e ter o mais necessário dos descansos antes de desbravar as maravilhas do Peru.

II - O destino

Poucos se dão conta do quanto se deve aos peruanos. Tampouco se lembram que, em nossa maiúscula América, existe um povo que pode, de fato, se equiparar aos mesopotâmicos e egípcios como um dos berços independentes da humanidade. Desde a Civilização Caral ao Império Inca, inúmeras culturas desenvolveram ali incríveis manifestações artísticas, geniais avanços arquitetônicos e um sistema agrícola a frente de seu tempo. Os grandes feitos dos antigos peruanos são ainda hoje notáveis: a cultura andina, em diferentes âmbitos e tempos históricos, se desenvolveu com diversos elementos comuns na agricultura, alimentação, religião, vestimenta, organização social e arte. Como legado, deixaram um vasto patrimônio arqueológico e imaterial. Aspectos da cultura campesina peruana se manifestam sobretudo em sua rica gastronomia e sistemas de plantio.

O Peru a todo momento desafia nossa imaginação. Da imensa cidade planejada de adobe que abrigou cerca de 50 mil habitantes em Chan Chan aos cortes de alta precisão de gigantes pedaços de rocha perfeitamente encaixados em Sacsayhuaman, passando pelas esculturas em forma de jaguar de Chavin de Huantar ou pelas excepcionais cerâmicas mochica, até as impensáveis linhas de Nazca, pouco da história pré-colombiana do Peru pode ser explicada com certeza; não desenvolveram a escrita e quase não deixaram documentos. Boa parte da historiografia peruana é baseada em textos de cronistas da Conquista, tais qual Garcillaso de La Vega.

III - O caminho dos Incas

O milenar desenvolvimento da cultura andina teve seu ápice com os Incas, um império tão breve quanto intenso. Foi o maior da América pré-colombiana, o mais extenso, multinacional e expansionista. Ao lado da arquitetura e dos sistemas de irrigação, em terraços, a abertura de estradas está entre as grandes realizações dos Incas. Com efeito, existe uma série de caminhos que levam a Machu Picchu, e um desses caminhos me trouxe ao Peru.

Antes, porém, de qualquer descrição sobre minhas aventuras nos caminhos dos Incas, devo ressaltar que eles não gostavam de lugares de fácil acesso. Dificilmente as altitudes de operação são menores que 3000 m, chegando, sem esforço, aos 5000 m. Respirar no Peru, por si só, já é um grande desafio. Enquanto a mente produz imagens de moléculas de ar se rarefazendo diante de si, o corpo sente as pulsações do coração na cabeça, as mãos formigam e as pernas parecem não conseguir sustentar o peso do corpo. Os conceitos sobre nossos limites físicos são postos à prova, ficamos expostos a novas formas de percepção. A sabedoria para lidar com o soroche [mal da altitude] vem dos antigos peruanos: folhas e o estimulante chá de coca para oxigenar melhor o sangue, chá de muña para facilitar a digestão e líquido de eucalipto para aliviar o mal-estar são amplamente utilizados para amenizar os efeitos da altitude. Soma-se ainda a irregular topografia, o terreno acidentado, as grandes variações de temperatura ao longo do dia e as montanhas de gelo eterno.

Tais são os fatores que fazem de uma viagem ao Peru um feito extraordinário. Novos caminhos são até hoje descobertos, de tão escondidas que estão algumas das maravilhas incas. Para se chegar a Machu Picchu ou se vai de trem ou em ao menos quatro dias de caminhada. A colorida montanha de Vinicunca, por sua vez, foi aberta a visitação apenas em 2012. Acredita-se que os nativos a escondiam de outros povos por considerá-la sagrada. Ir ao Peru é abrir novos caminhos, ter novas sensações, conhecer melhor os limites de nosso corpo, saber quando desistir e quando seguir em frente.

IV - Pachamama (ou A Mãe Terra)


De todas as excentricidades que fazem do Peru um lugar ímpar no mundo, a geografia tem lugar de destaque. O oceano encontra o continente em um enorme deserto que rapidamente se transforma na Cordilheira dos Andes. Quando atravessada, as montanhas nevadas dão lugar à vastos territórios de floresta tropical. O cenário é altamente mutável; transforma-se muito rapidamente. Os desafios impostos pela natureza e a ascensão da cultura andina como civilização são intrínsecos. Desde os primórdios da povoação na região foi necessário lidar com terremotos, vulcanismo, avalanches e alterações climáticas.

Com quase 6800 m de elevação, o nevado Huascarán, localizado na província de Ancash, é o ponto culminante do país. Em 1970 um terremoto causou o pior desastre natural já registrado no Peru. O forte movimento sísmico fez despencar do Huascarán enormes blocos de gelo e rocha, que, em três minutos, soterraram todo o povoado de Yungay. O aluvião, que pode ter assumido velocidades da ordem de 300 km/h, deixou 25.000 mortos. Apenas 300 foram os sobreviventes da tragédia. Yunagay foi reconstruída a 1km dali, e a área do acidente é hoje um campo santo, onde é proibido qualquer tipo de escavação. Pouco da antiga cidade pode ser vista; restaram apenas parte da carroceria de um ônibus e ruínas da antiga catedral.

De fato, a terra sempre teve um papel vital para os andinos. Pachamama não somente é a deidade máxima nos Andes, como também uma filosofia que prega o bem viver e o amor à terra. No Peru, afinal, a realidade não é exclusivamente antropocêntrica. Devemos respeitar a natureza e compreender suas próprias regras, descobrir que ela não é contra e, tampouco, a nosso favor.

V - A construção

Às quatro horas da manhã saí de Cusco em direção a Mollepata. Preparei uma mochila com o essencial para passar o dia caminhando, e outra, maior, para ser levada pelos arrieros e suas mulas. Os arrieros formam uma importante classe social no cenário andino, em que o trabalho da força animada foi durante muito tempo o único capaz de superar o relevo montanhoso. A palavra descende da interjeição ¡arre!, bradada com o fim de pôr animais de carga em movimento. Assim, a arriaria se desenvolveu sobretudo como atividade econômica introduzida pelos espanhóis no Peru colonial, quando a mão de obra indígena era explorada para transportar ouro desde as minas até os portos. As grandes lideranças rebeldes contra a dominação espanhola surgiram nesse contexto. Por meio de longas viagens, puderam se fazer conhecidos em longas extensões de terra e conheciam todas as dificuldades da vida nas minas, fazendas e povoados .

De Mollepata se caminha em direção ao Apu Salkantay, em uma das conhecidas rotas que levam a Machu Picchu. Quando uma montanha é identificada como Apu, ela é de fato especial; trata-se de uma divindade dos povos dos Andes que remete ao espírito da montanha, regulador do ciclo vital da região em que se encontra. No passado, a região do Salkantay foi cenário de peregrinações e sacrifícios para os deuses. Parte do caminho é feito em confluência com canais incaicos, engenhosidade ainda hoje aproveitada por camponeses que habitam as partes mais baixas da região. Ao longo do trajeto, o domínio natural entra em transição: sobe-se até os 4650 m do Passo Salkantay, para então ver o surgimento da densa vegetação amazônica à medida que se desce até o vale do Rio Urubamba. Esse caminho de razão incompreensível preserva pequenos povoados, a língua quíchua, trilhas sagradas, veredas serpenteantes e vida selvagem.

Andar durante cinco dias até Machu Picchu deve ser uma das melhores experiências conhecidas pelo homem. O último dia antes de se chegar a Aguas Calientes, povoado aos pés da cidade perdida dos incas, é onírico. São 22 km de trilha, os quais os quatro últimos são feitos sobre uma linha de trem, de onde já se é possível avistar as ruínas de Huayna Picchu e as escarpas de Machu Picchu, a jovem e a velha montanha. Esse trecho também foi percorrido em 1911 pelo Professor Hiram Bingham quando tentava chegar à última capital inca, de que até então só ouvira falar. A relação simbiótica entre os incas e sua base geográfica tem nas edificações de Machu Picchu seu melhor arquétipo. A névoa emanada dos Andes, as águas caudalosas do Rio Urubamba, o terreno em terrazas, as construções em trapézio, as montanhas em forma de asas, e a cidade erguida em formato de Condor são os elementos que compõem a mística beleza desse lugar. Enquanto estamos dentro do sítio, esquecemos da exaustão de ter percorrido um longo caminho até ali. Somos, como assertou Che Guevara, preenchidos por um estranho sentimento de nostalgia por um tempo histórico que não nos pertence; por uma sociedade de que não fizemos parte. Como uma cidade dessas pôde dar lugar às informais, subdesenvolvidas e caóticas cidades peruanas?

VI - No ar

O desfecho da viagem se deu no ar, observando mais uma preciosidade em terra: as Linhas de Nazca, geóglifos cuja origem nenhum arqueólogo, etnólogo, historiador consegue cravar. Uma das versões que pretende explicar o motivo dos enormes desenhos no chão diz que era um modo de a civilização Nazca ser vista pelos deuses. Esse momento nefelibático revelou então, para mim, um dos propósitos de se ir ao Peru: somos desafiados a ir mais alto - por terra ou pelo ar - para alcançarmos a sabedoria de uma das civilizações mais fantásticas que já existiu.














sábado, 2 de julho de 2016

Habitat natural

Estimada onça,

     esses dias fui pego me lembrando da mistura entre medo e fascínio que ditou o ritmo de nosso primeiro encontro em seu habitat natural. Resolvi então escrever-lhe esta carta.

Se eu estivesse um pouco mais distraído, com certeza não teria te visto. Você estava descansando após uma caçada, em um pedaço de sombra sobre um pedaço de terra não alagada do Pantanal norte. Parecia tímida, não quis aparecer logo de cara. 

Talvez você, como anfitriã, deveria ter recebido melhor uma visita tão dedicada em ir ao seu encontro quanto eu. Foram cerca de 2000 km de estrada desde o Rio de Janeiro, incluindo os 180 km da selvagem transpantaneira. Passei por uma boiada com centenas e centenas de bovídeos, perdi a hora e me vi quase às cegas quando anoiteceu na estrada. No dia seguinte, foram exaustivas nove horas dentro de um bote a sua busca.

Outros animais que me perdoem, mas eu queria ver você. E sabia que você não iria me decepcionar. Quando saiu da sua confortável sombra, detrás dos arbustos, proporcionou, por poucos segundos, um dos momentos mais mágicos da minha vida. A frequência de meus batimentos cardíacos disparou e minhas mãos tremiam. Eu segurava uma câmera e estava empenhado em registrar imagens do nosso encontro. Dei-me conta, porém, que não valia a pena te ver apenas pela lente da minha câmera. Precisava me certificar que você estava realmente a poucos metros de mim.

Pelo Pantanal, todos têm histórias para contar sobre seus grandes feitos. Todos te temem, e pessoalmente você se mostrou muito mais assustadora do que eu supunha. Olhar-te ali, tão livre e exuberante, paralisou-me. Foi uma sensação rara, que poucas vezes experimentarei novamente. Ao mesmo tempo que meu sangue gelava, eu queria poder chegar ainda mais perto de você para admirar a tamanha beleza da vida selvagem em seu habitat natural.

Apresento os meus melhores cumprimentos.

PS: segue um registro desse encontro, sem um bom foco ou enquadramento. Devido às circunstâncias descritas acima, foi verdadeiramente difícil tirar uma boa foto.

sábado, 28 de maio de 2016

Você (não) precisa saber para onde você vai!

"Todas as pessoas são capazes de alcançar seus objetivos, desde que saibam pensar, esperar e jejuar."
Era uma chuvosa e quieta manhã de domingo em Blumenau. A principal rua do centro histórico da cidade - a XV de novembro - estava fechada para carros e poucos munícipes se aventuravam em uma corrida matinal. Lá estava eu, com fome, andando atrás de algum café aberto onde eu pudesse tomar meu café da manhã. Minha fome, é verdade, não era tanta, mas estava se agravando conforme eu ia percebendo que nenhum estabelecimento por ali abriria domingo. Já havia caminhado por mais de uma hora, indo e vindo, transitando entre as mesmas paisagens, e a pressão psicológica por não saber quando nem onde seria minha próxima refeição começava a me atormentar.

O Sidarta de Hermann Hesse, sempre que perguntado sobre o que sabia fazer respondia: sei pensar, sei esperar, sei jejuar, nada mais. Tais eram as qualidades que norteavam sua existência em sua constante busca pela desindividualização, fuga dos tormentos de seu próprio eu. Por meio da dor, do tormento voluntário, do triunfo sobre o sofrimento, fome, sede e cansaço, buscava se livrar de todos os anseios e instintos de seu corpo, de modo que atingisse os níveis mais altos do conhecimento, em que todas as sensações e dores da realidade material fossem superadas. 

Tive, assim, minha iniciação sobre o que é a arte do jejum. Ao passo que a impaciência e a fome afloravam, finalmente encontrei um lugar onde pudesse comer despreocupado. O que se seguiu foi uma refeição farta, com quantidades duplicadas, uma vez que busquei me prevenir contra a fome durante o restante do dia. Ainda que frustado por me perceber inábil em suportar algumas poucas horas sem comer, continuei meu passeio por Blumenau sem saber exatamente aonde queria chegar, desfrutando da quebra de rotina, esperando que algum acontecimento especial viesse até mim. 
- Permite-me, porém, uma objeção: tu que não possuis nada, que é que tencionas dar?
- Cada um dá o que tem. O guerreiro dá a sua força; o comerciante, a sua mercadoria; o mestre, a sua doutrina; o pescador, os seus peixes.
- Ótimo. E qual será o bem que tu poderás oferecer? Que aprendeste? Que sabes fazer?
- Sei pensar. Sei esperar. Sei jejuar.
- Só isso?
- Acho que é só isso.
- E que valor têm esses conhecimentos? O jejum, por exemplo. Para que serve o jejum?
- Para muita coisa, meu caro senhor. Para quem não tiver nada que comer, o jejum será a coisa mais inteligente que se possa fazer. Se, por exemplo, Sidarta não houvesse aprendido a suportar o jejum, estaria obrigado a aceitar hoje mesmo um serviço qualquer, seja na tua casa, seja em outro lugar, já que a fome o forçaria a fazê-lo. Assim, porém, Sidarta pode aguardar os acontecimentos com toda calma. Não sabe o que é impaciência. Para ele não existem situações embaraçosas, Sidarta pode aguentar por muito tempo o assédio da fome e ainda rir-se dela. É para isso, meu caro senhor, que serve o jejum.
Pus meu corpo em movimento, buscando corresponder aos anseios da minha mente na busca por novos cenários. Estar em uma cidade desconhecida, pois, exposto a uma nova percepção do espaço, é sempre pretexto para novos pensamentos. Após percorrer museus e estabelecer breves amizades, decidi ir à Pomerode, cidadezinha localizada a 30 km de Blumenau. A alcunha de cidade mais alemã do Brasil, junto a maior coleção de casas enxaimel fora da Alemanha, despertaram meu interesse pelo local.


Corri para pegar um ônibus de Blumenau a Pomerode. Foi quando um inusitado diálogo com o condutor me fez sofrer uma nova perturbação de sentidos. Perguntei o preço da passagem, e ele perguntou aonde eu iria; os valores variavam conforme o destino. Eu disse que ia Pomerode e ele me olhou como que se precisasse de informações mais detalhadas. Após um breve silêncio, disse-me, com um tom impaciente, que eu precisava saber para onde estava indo. Pedi para ele me avisar quando chegasse no centro da cidade, paguei o devido valor da passagem e me acomodei, sozinho, em uma janela do ônibus.

No dia anterior eu não sabia em que cama iria dormir. Na manhã daquele dia não sabia se eu iria conseguir tomar um café da manhã. Agora, acabara de descobrir que eu não sabia para onde estava indo. Tais fatos não podiam ser analisados separadamente. Esse conjunto de acontecimentos era o mundo querendo me passar sua sabedoria. Cresceu em mim um frio na barriga, impulsionado por uma profunda excitação. Queria que essa sensação perdurasse. Para isso, precisava andar mais, ir a lugares mais distantes, rumar sempre em direção ao estranho.

Quando cheguei a Pomerode, munido apenas de meu corpo e uma pequena mochila, dei-me conta que, naquelas circunstâncias, com hora marcada para encerrar minha viagem, não podia percorrer, a pé, os 16 km da rota do enxaimel. Poucas horas depois, retornei a Blumenau para seguir viagem até São Paulo e, então, Santos. Chegar até Pomerode, contudo, foi uma grande realização para mim. Foi poder andar sem destino, lidar com incertezas e frios na barriga, pensar uma coisa por vez, ficar a deriva em um ambiente desconhecido, afastar-me do que é familiar, deixar o mundo me ensinar. É isso que espero de uma viagem.

Por mais chances de não saber para onde estou indo.

sábado, 19 de março de 2016

Seguindo os passos do Che

"Nasci na Argentina; não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino, se não se ofenderem os ilustríssimos latino-americanos, me sinto tão patriota da América-Latina, de qualquer país da América-Latina, como qualquer outro e, no momento em que fosse necessário, estaria disposto a entregar minha vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada, sem explorar ninguém"
Ernesto Che Guevara
Foi em Santa Clara que o homem e a lenda convergiram para o mesmo ponto. Lá repousam fragmentos do lado mais puramente humano de Che Guevara: seus restos mortais. 

É um peso imenso parar diante de seu sepulcro. Estar ali é poder consumir um pouco da vida de alguém que morreu pela nossa América. 

No mausoléu arde uma chama eterna, da imortalidade, que aquece o mundo com a energia de Che, tão necessária para todos nós. 

Ali descansam, também, muitos de seus companheiros de guerrilha da campanha na Bolívia, onde Che foi capturado e morto.

Quase no limite setentrional da América Latina, há uma enorme estátua de Che com um braço enfaixado e outro carregando um fuzil. Ele caminha em direção à América do Sul. "¡Hasta la victoria siempre!"

Che é gente como a gente. O mausoléu expõe objetos pessoais do guerrilheiro heroico, que incluem seus boletins escolares, documentos de identificação, jaleco e outros aparatos de seus tempos como estudante de medicina, porta-tabaco, pistolas que portou. O melhor de tudo, contudo, são os manuscritos de seus diários. 

"Ao povo de Santa Clara": não muito longe do mausoléu, está o trem blindado que Che descarrilhou em uma das mais importantes batalhas da Revolução Cubana. O trem levava um grande contingente do exército de Batista para defender Havana da revolução.

Em Havana, o antigo palácio de Batista está repleto de marcas de tiro nas paredes. No lado externo está exposto o navio Granma, que trouxe Fidel e seu exército revolucionário do México para Cuba.

No palácio, hoje museu, há uma sala destinada à memória de Che Guevara e Camilo Cienfuegos, cuja barba é de causar inveja. Seus fuzis e chapéus (inclusive a boina de Che com uma estrela) estão ali.

Camilo desapareceu em uma viagem de avião, sob circunstâncias misteriosas. O avião teria sumido no mar e, assim como seu corpo, nunca fora encontrado. Procurei muito, mas não achei nenhuma camiseta com a estampa de seu semblante. Livros biográficos, tampouco.

Com o próprio punho, Che redigiu uma carta à Fidel afirmando sua intenção em continuar a revolução pelo mundo. Pedia licença das suas tarefas no governo revolucionário cubano para prosseguir sua luta no Congo.

Ainda em Havana, em La Cabana é reconstruído o local de trabalho de Che. Lá estão a urna que trouxe seus restos mortais para Cuba e mechas de seu cabelo!

Che, Camilo e José Martí, o primeiro Libertador de Cuba, compõem a tríade da Praça da Revolução de Havana. Lá que costumavam ocorrer os inflamados discursos de Fidel e as principais mobilizações políticas cubanas.

Com efeito, seguir os passos de Che é seguir com a luta bolivariana por uma América Latina livre e unida.

Em suas viagens de motocicleta, Che percebeu que as fronteiras da América (ao menos a espanhola) são ilusórias. Em seu famoso discurso no leprosário  de San Pablo, Peru, afirmou-se como seguidor do pan-americanismo. 

Um ponto chave em sua viagem foi a passagem por Machu Picchu, a mais pura manifestação da grandiosidade das civilizações pré-colombianas em sua visão.

De fato, Machu Picchu, assim como as ruínas incas e aztecas estão entre as construções humanas mais incríveis que já vi.

Na Colômbia, vi lamentações sobre a Grã-Colômbia ter virado Nova Granada, Confederação Granadina e, hoje, serem quatro países distintos: Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá. Brincaram, ainda, que, se quiserem, dividirão mais ainda a região. 

Aprendi que o Haiti foi a Cuba do período colonial. Antes havia medo de revoluções escravas. Depois, das comunistas.

Haiti sofreu embargos de todas as potências coloniais. Hoje é o país mais miserável das Américas.

Simon Bolívar, após o primeiro fracasso na luta pela libertação da América, refugiou-se no Haiti, onde recebeu armamentos e apoio financeiro. A contrapartida era que abolisse a escravidão por onde sua luta triunfasse. 

Ainda na Colômbia, vi um quadro interativo da composição étnica do país. A mesma de todos os outros países latino-americanos por que passei.

Colômbia e Cuba são bem mais brancas do que pensei. Diferentemente dos países andinos, o acesso a partir da Europa, no período colonial, era muito mais fácil.

Cartagena, por sua vez, é uma das cidades mais africanas da América.

Peru e Bolívia preservam melhor tradições indígenas em maior escala por que a povoação europeia estagnou quando as reservas de ouro e prata se esgotaram, por volta do século XVIII.

No Brasil há disso tudo, um pouco. Mas é difícil encontrar. 

Na Cidade do México, La Paz e Bogotá é fácil identificar feições indígenas. Em Brasília, Rio de Janeiro ou São Paulo, não. 

Em Bogotá havia ainda seguidores de religiões africanas utilizando turbantes e demais vestimentas exóticas ao meu olhar. Não me lembro disso já ter me chamado a atenção no Brasil.

De volta ao Che, o melhor que aproveitei de sua sabedoria foi fazer das minhas jornadas pela América uma forma de aprendizagem, conscientização social e autoconhecimento. 

"Se não se ofenderem os ilustríssimos latino-americanos, me sinto tão patriota da América Latina, de qualquer país da América-Latina, como de qualquer outro." Che vive.





sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Cuba: estudo, trabalho e fuzil

Quando acordei em Havana meu mundo mudou. O tempo parou e eu agora fazia parte de uma novela épica que será contada por toda posterioridade. Pode ser que daqui a alguns séculos questionem se essa é uma história verídica, mas, hoje, posso dizer que sou uma prova de que realmente existiu. Sim, os barbudos de fato tomaram o poder, derrubaram aviões ianques, erradicaram o analfabetismo, combateram injustiças sociais e raciais, deram escola e saúde de qualidade a toda população; construíram a pátria do trabalho, da educação e do fuzil.




Não é preciso forçar a vista para enxergar em quais aspectos a revolução cubana de 1959 triunfou. O país é extremamente pobre, em parte pelo passado de exploração colonial e, em parte, pelo embargo imposto pelos Estados Unidos como punição aos revolucionários. Contudo, ao contrário de todos os outros países da América Latina, a pobreza não deixou uma legião de desabrigados, famintos, não deixou crianças sem escola, sem opções de lazer e cultura. Não existe desigualdade racial, concentração de renda, o acesso à infraestrutura é universalizado e todos podem ser doutores. Aonde se vai se nota o bom nível geral de instrução da população. 

Se existe um ponto em que se pode dizer que a revolução fracassou foram nas liberdades individuais. O país vive uma ditadura, que pode ser percebida nas entrelinhas do cotidiano cubano. Os meios de comunicação são controlados, as notícias sempre enaltecem os feitos do governo. O noticiário internacional se resume a alguns líderes políticos estrangeiros dizendo o quanto a revolução cubana serve como inspiração para seus respectivos povos. Também o acesso à internet é limitado - para se conectar, compra-se um cartão que permite o acesso à redes públicas de internet sem fio. O Partido Comunista Cubano (PCC), o único do país, está no poder a ininterruptos 57 anos, e não existe nenhuma forma legalizada de oposição. Há presos políticos e o debate político-ideológico é quase inexistente. A doutrinação ocorre desde cedo, e, para participar efetivamente da vida política, deve-se iniciar o processo participando de organizações políticas destinadas a crianças. Há quem diga que tais medidas são um mal necessário para proteger os objetivos da revolução. 

Ainda assim, existe em Cuba um saudosismo coletivo em relação aos avanços sociais de Fidel Castro, figura carismática e herói nacional, presidente do país entre 1959 e 2008. De fato, princípios como a solidariedade e a consciência coletiva parecem reger as relações sociais cubanas. Verdade é que o isolamento perante sobretudo os Estados Unidos alimentou um profundo orgulho patriótico e preservou muitas das tradições culturais de Cuba, assim como seu vasto patrimônio histórico. Se por um lado muitos cubanos vislumbram o sonho americano, a ponto de usarem bandeiras estadunidenses como adornos e arriscarem suas vidas em botes arcaicos na tentativa de chegar à Flórida, tantos outros afirmam morar no melhor país do mundo.

Nas ruas de Havana, uma imensa placa lembrava à população que o embargo econômico norte-americano foi o pior dos crimes que poderiam ter feito ao povo cubano. No mesmo quarteirão, uma outra afirmava que a revolução era invencível. O embargo ao menos poupou Cuba de cooptar algumas das piores heranças que o american way of life pode deixar. Em Cuba aprendemos a ver a beleza na simplicidade, no sorriso, não no poder de consumo. Não é, afinal, o que possuímos que define quem nós somos. Os cubanos dispõem de uma simpatia que pode facilmente ser explicada pelo estilo de vida que levam. O país avança em seu próprio ritmo. Não existe nenhum grande centro empresarial, onde pessoas bem vestidas caminham apressadas. Smartphones ainda não ameaçam a essência da proximidade física nas relações interpessoais. Por conseguinte, o nível de estresse e ansiedade é baixo. A prestação de serviços é, grande parte das vezes, lenta e ineficiente, o que não chega a ser um grande problema. A passagem do tempo não indica que alguém está deixando de lucrar.




A Cuba pré-revolucionária nunca fora independente de fato. Cristóvão Colombo desembarcou na ilha em 1492, e em 1510 foi iniciada sua ocupação e colonização. Em 1550 a população nativa já tinha sido praticamente aniquilada por doenças ou pelo trabalho escravo. Entre os séculos XVIII e XIX, cerca de um milhão de escravos foram trazidos da África para trabalhar na indústria açucareira. Cuba logo se tornou a maior produtora mundial de açúcar. No fim do século XIX, José Martí começou a liderar revoltas anti-hispânicas. No entanto, o fim do domínio espanhol só se deu em um acordo entre a Espanha e os Estados Unidos, o Tratado de Paris. Em 1901, o primeiro presidente cubano foi eleito, mas a Emenda Platt garantiu aos Estados Unidos o direito de intervir no governo de Cuba. A independência não beneficiou a maioria da população: seguiram-se anos de governos tiranos até que, durante a ditadura de Fulgencio Batista, Cuba se tornou o paraíso do prazer e caiu nas mãos do submundo norte-americano.

A paisagem de Havana hoje é um retrato dos ostensivos anos 50. A mafia controlava cassinos em hotéis luxuosos e, para atrair jogadores, investia em atrações culturais e sexuais. Cuba viveu anos de intensa produção cultural, com imensos teatros, cinemas e casas de show, além de ter sido cobaia dos primeiros experimentos com produção televisiva. As festas regadas a drinques exóticos, charutos e performances eróticas eram do mesmo modo intensas. O negócio era lucrativo e tinha respaldo do presidente Fulgencio Batista. Os patrocinadores, além dos mafiosos, eram os magnatas do açúcar. Após a revolução e conforme Fidel Castro tendia ao comunismo, as possessões na ilha acabaram, assim como a criminalidade associada ao prazer. Seguiu-se então o embargo econômico dos Estados Unidos, que fez Havana literalmente parar no tempo. Carros americanos clássicos, da época em que o rabo de peixe era a grande inovação do design automotivo, desfilam pelas ruas. Já as inovações arquitetônicas pararam pelo art déco. A experiência de estar em Havana deve ser próxima a de voltar no tempo.

A mágica de estar em Cuba, contudo, é descobrir que o mundo está repleto de sonhadores. O destino da ilha sempre esteve atado à cotação do açúcar. "O povo que compra manda, o povo que vende serve; é preciso equilibrar o comércio para assegurar a liberdade; o povo que quer morrer vende para um só povo, e o que quer salvar-se vende para mais de um", disse o herói nacional José Martí, e repetiu Che Guevara na conferência da OEA em Punta del Este, em 1961. Cuba era submissa ao imperialismo norte-americano; como disse Eduardo Galeano, o açúcar era o punhal e o império o assassino. É difícil acreditar que em um país no qual a ingerência norte-americana era garantida por lei, um grupo de guerrilheiros iria tornar concretas as promessas de justiça social. A revolução, é claro, não é nenhum passeio: a redistribuição de riquezas aumentou consideravelmente as necessidades de consumo, ao passo que a produção não pode acompanhar o crescimento na mesma proporção. Cuba sofre com escassez de produtos básicos, como frutas, comida, roupas e objetos de higiene pessoal, mas essa escassez é oposta àquela que amargam os demais países latino-americanos.





Por três dias seguidos tomei café da manhã no mesmo lugar. O prato que eu pedia era sempre o mesmo: sanduíche de ovo, presunto e queijo, acompanhado por duas opções de suco, abacaxi ou mamão. As opções de suco em nenhum dos dias coexistiram. Em apenas um dos dias havia o sanduíche completo. Em um faltou ovo, e no outro, presunto. Nos restaurantes, os cardápios vinham com diversas opções de refeição, mas era comum o garçom avisar a falta de um ou outro produto. Quase sempre, apesar de cardápios com opções diversas, as opções se resumiam ao mesmo de sempre: arroz, feijão, verduras e uma opção entre frango, porco e peixe. Não existe fartura, os pratos são modestos, mas todos os cubanos chegam ao final do dia de barriga cheia. O consumo é de todos, não de poucos.

O trabalho não é fomentado por pressão, os cubanos trabalham sem o temor do desemprego. Desde o fim da União Soviética, contudo, a ilha passa por graves problemas financeiros e algumas reformas foram feitas dentro da estrutura socialista. Cuba se abriu para o turismo, que hoje representa a maior fonte de recursos para o país. Todos procuram, a sua maneira, viver do turismo, um dos cursos mais concorridos nas universidades cubanas. Quem tem carro vira taxista, quem tem disponibilidade aluga quartos, quem tem lábia aplica golpes, quem é músico vive de gorjeta, quem pode, pede. O turismo sexual também tem um grande apelo no país. Todos tentam tirar algum proveito dos turistas. Chega a ser abusivo: preços acima e qualidade abaixo do padrão mundial. Estrangeiros não podem usar os mesmos ônibus ou se hospedar nos mesmos hotéis que os nativos. As moedas também são diferentes. Estrangeiros usam o peso convertido, cotado tal qual o dólar americano, e cubanos usam o peso nacional, de valor cerca de 25 vezes inferior. Com o aumento do turismo, Cuba sofreu drásticos impactos sociais e culturais. Está surgindo uma nova classe de ricos, que conseguiram prosperar com o turismo e iniciar negócios privados. Em um país onde o custo de vida é baixíssimo e a média salarial é de 20 dólares mensais, não é preciso de tanto para fazer fortuna.

Cuba, enfim, não é um paraíso socialista nem, tampouco, um inferno comunista. É um país que escolheu andar por conta própria e sofre, com humildade, as consequências dessa escolha. É um país de gente que quer viver melhor sem que para isso se sobreponha interesses particulares aos coletivos. É o país daqueles que impuseram uma das maiores humilhações aos poderosos Estados Unidos da América; de quem derrubou aviões ianques e fez deles peças de museu, de quem descarrilhou trens blindados, de quem invadiu e fuzilou o palácio de um ditador sanguinário. É um país que ensina que a pobreza só existe se puder ser comparada com a riqueza. É um país cuja História parece um conto fantástico, mas não é. Eu estive lá e vi que não.




sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Toda vida vem da vida

Omne vivum ex ovum
Caminhar pelas íngremes ruas de Bogotá, Colômbia, sob baixa pressão atmosférica, fez-me lembrar da última vez que estive nas elevadas altitudes andinas. Na ocasião, me encontrava a mais de 5000 metros acima do nível do mar, em Chacaltaya, montanha localizada na cercania de La Paz, Bolívia. Confiei na resiliência de minha juventude e ignorei os possíveis efeitos que o ar rarefeito poderia conferir a minha saúde. Durante a caminhada, senti um formigamento por meu corpo e mal me sustentava em pé. Não consegui concluir o passeio até o cume da montanha; reuni as forças que me restavam para erguer uma xícara de chá de coca e voltar aos 3600 metros de La Paz, onde passei o resto do dia na cama. 

A altitude de 2600 metros de Bogotá, a terceira capital mais alta do mundo, foi bem mais transponível. Não me trouxe nenhum grande problema além de uma respiração um pouco mais ofegante do que estou acostumado. Entre um ou outro trecho de subida, contudo, continuava recordando minha desventura em Chacaltaya. O ensinamento que tive na época foi bastante pertinente às minhas andanças em Bogotá: o boliviano - por suposto com pulmões maiores que o comum - que me acompanhou em Chacaltaya encostava o calcanhar de um pé na ponta dos dedos do outro a cada passada. Seguia um ritmo devagar, mas constante. Disse que aquele era o jeito correto de se caminhar na altitude. Eu não consegui descobrir meu ritmo, dei passos maiores do que meu corpo podia suportar.

Nesse paralelo, descobri, assim como o escritor colombiano Fernando Gonzalez em suas viagens a pé, que a ideia de ritmo é a coluna vertebral moral de qualquer viagem. Segundo o escritor, o ritmo é tão importante para se viver quanto o inferno é para a Igreja Católica. Cada pessoa tem um ritmo para caminhar, andar e amar; o amor, por sua vez, ocorre quando dois corações batem no mesmo ritmo. Para encontrarmos nossa forma de menor energia - estágio para o qual tende toda a matéria do universo -  precisamos descobrir nosso próprio ritmo e ajustar nossos passos. 

Devemos buscar, pois, nossa alegria fisiológica. Não fosse isso, como poderíamos compreender que navegar é preciso? Como compreender o europeu que atravessou o Atlântico em uma nau a vela para descobrir na América as riquezas do Novo Mundo? Haveria título mais adequado para o "Livro das Maravilhas" de Marco Polo? Por que deixar a zona de conforto para conhecer terras distantes? Grandes são aqueles habituados ao esforço. Navegar é tão simplesmente sentir a satisfação de triunfar sobre um obstáculo, a sensação de superar o cansaço, é sentir a plenitude da vida. O homem medíocre age apenas de modo a cumprir suas necessidades fisiológicas, não vê no esforço o prazer necessário para a manutenção da vida. 

Ver o mundo é estar no mundo e pensar com o mesmo ritmo de nossos passos. Cada forma de conhecimento é, assim, uma nova janela para contemplá-lo. Ainda segundo Fernando Gonzalez, do mesmo modo como o viajante botânico goza da vegetação e o geólogo das formações rochosas, o homem de ideias gerais goza de todos os aspectos, com a desvantagem da diminuição de cada um deles. O ignorante se aborrece ao longo do caminho, só percebe sensações de cansaço e de distância. Seus olhos só veem obstáculos, seus ouvidos só ouvem ruídos, e os demais sentidos só servem pra os fins primordiais.

Descobrir seu próprio ritmo é alcançar a saúde espiritual. Quando saímos para ver o mundo, percebemos que a força vital que nos move é o desejo de conhecer e aprender com diferenças. É saber que toda vida é gerada por outra vida, e saber que fazemos parte de um grande ovo cheio de vitalidade. É elevar o coração e a mente a uma altura em que só exista amor. É deixar que nossas pernas doam muito, mas que nos levem a lugares novos. Isto é manter-se vivo.     

Se eu nunca tivesse saído do nível do mar, jamais saberia o estrago que uma caminhada fora de ritmo pudesse causar.